[029] Das máximas que deveríamos seguir e algumas outras coisas
TL;DR: Um exercício retórico (talvez) e uma indicação de leitura.
A percepção de uma injustiça e a pretensão de remediá-la em breve.
Um pouco sobre Pantanal, porque sim.
A gente devia pensar mais a respeito da Navalha de Hanlon.
Deviam ensinar essa merda no colégio, na real.
São sete e vinte da manhã, eu estou tomando minha primeira caneca de café do dia e pensando em como as coisas fariam mais sentido e nossas relações seriam mais simples se a gente parasse de demonizar as ações dos outros e entendesse que a maior parte das vezes não é maldade, crueldade, vilania pura e simples.
É burrice mesmo.
É a burrice se manifestando em diversas formas: medo, falta de capacidade de comunicação, raiva, egoísmo. Ainda é burrice.
Em geral as pessoas são burras, não ruins. E entender isso nos coloca em uma posição muito mais tranquila na hora de lidar com os outros, porque a gente sai do papel de vítima (achar que as pessoas querem foder com a sua vida é bancar a vítima, é puro ego e, adivinha?, é burrice!) e aprende a olhar para os outros com uma cautela que não tem desconfiança, só cuidado. Autopreservação.
Além disso, te dá uma vantagem estratégica, porque você se adianta à burrice do outro, ao identificar como e quando ela geralmente se manifesta.
Claro, tudo isso é muito mais fácil na teoria do que na prática e considerando que eu sou um homem propenso a mandar as pessoas pro caralho de uma hora pra outra, você tem todo o direito de não levar em consideração uma palavra sequer do que eu escrevi aqui, mas daí você precisa se lembrar de uma coisa:
De burrice eu entendo!
...
Esse não foi um argumento muito bom, mas é um fato: entendo mesmo. Acho que sou com a estupidez humana como a turma dos direitos dos animais em geral é com vídeos de animais sendo barbarizados, ou como homofóbicos empedernidos são com tudo o que envolve gays: nutro uma espécie de horror que se assemelha demais ao fetiche.
Acompanho manifestações de parvoíce, de toleima, de imbecilidade, no sentido mais estrito do termo, com uma fixação que beira o doentio, porque ver gente que diz coisas absolutamente irrefletidas e sem amparo na realidade - sem demonstrar o mais remoto vestígio de vergonha por isso - me causa uma inveja violentíssima.
Queria eu ter essa desfaçatez, esse desapego, essa capacidade de considerar que minha percepção da realidade das coisas *é* a realidade das coisas.
E não é que eu julgue ser mais inteligente do que as outras pessoas, o que me parece é que muita gente é mais burra do que eu (há uma diferença entre as duas coisas, e, como disse Saramago em Memorial do Convento, "quem isto não entender à primeira vez não merece que lho expliquem segunda").
Queria eu ser capaz de dogmatizar o meu pensamento e olhar para tudo o que me passa pela cabeça, e para as coisas que sinto em relação ao que penso e percebo, como se fosse infalível, como se minhas percepções fossem inegáveis, e como se todo aquele que as desmerecesse minhas ideias fosse só uma espécie de fariseu, um apequenado incapaz de compreender a amplitude da minha vivência, um não-iniciado nos meandros da profecia. Tipo o que faz a DJ Amila Ribeiro.
O problema é que um dia eu li o Sobre Falar Merda e aí FODEU, né. Instaurou-se de vez o senso crítico.
Enfim.
Tu devia ler também. Baita livro.
Cometi recentemente uma injustiça e não gosto de cometer injustiças. Aceito ser um filho da puta, mas isso deve ser voluntário. Preciso observar uma situação e decidir, de muito bom grado, que é a hora de entrar em cena batendo as ferraduras ou coisa que o valha. Isso me garante algumas coisas, dentre elas a maravilhosa habilidade de não sentir qualquer remorso. Fi-lo porque qui-lo, azar de quem estava no caminho.
No caso de injustiças, ou seja, de ser escroto de forma desnecessária ou irrefletida, aí temos um problema, porque geralmente só enxergo minha falha após algum tempo transcorrido (o que é óbvio: se perceber imediatamente o problema, que minhas atitudes não condizem com minha intenção, a correção de rota é imediata) e o que me cabe é tentar desfazer o malfeito ou ao menos demonstrar contrição.
Mas do que caralhos estou falando, afinal?
Bom, uns meses atrás eu disse que não havia cabimento em fazer a tal edição da newsletter com as resenhas dos livros que li ano passado, pois o que há para falar a respeito de Grande Sertão: Veredas, José Saramago, etc, etc...?
O negócio é que eu não li APENAS clássicos, mas também encarei leituras menos conhecidas, livros que me foram indicados por amigos, até mesmo um que foi escrito por um colega. É muito escroto, da minha parte, deixar de falar aqui a respeito dessas leituras.
Então o tal blocão das resenhas virá, num futuro próximo (pois se eu deixar passar muito mais tempo, esqueço tudo o que tenho a dizer).
Comecei a ver Pantanal, semana passada, e minha relação com a novela tem sido agridoce.
Por um lado, tenho uma relação afetiva com a trama: lembro da minha vó assistindo a primeira edição, lá no começo dos anos 90, na Manchete. Eu tinha uns 9 ou 10 anos. Não entendia quase nada. Fico me perguntando o que ela pensaria desse remake, se ainda teria lembranças sobre a versão passada de modo a estabelecer comparações. Jamais saberei. Morrer é estar em silêncio.
Ao mesmo tempo, me lembro das paisagens que via quando era menino: dos rios caudalosos, amplos, dos quais às vezes era impossível ver a outra margem nas filmagens ao rés do chão. Os atores entravam na água até o peito, até os ombros.
Agora...
Agora são uns riachinhos, uns córregos rasos. Parece que a produção tem uma dificuldade enorme para encontrar lugares nos quais a água vai acima dos joelhos dos atores. E a outra margem está logo ali, do outro lado. Quinze, vinte metros pra lá. É possivel ver a terra seca sob os gramados ralos.
Uma visão triste. O tema, cantado pela Maria Bethânia, diz:
"A Terra tão verde e azul / Os filhos dos filhos dos filhos / Dos nossos filhos verão"
Tenho cá minhas dúvidas. Se o filho do teu filho (pois não os tenho e não pretendo tê-los, preciso fazer uso dos seus nesse caso) chegar a ver o Pantanal, será um caso de sorte. Melhor botar teus catarrentos para se reproduzir o quanto antes.
Obviamente a Globo ainda tem a desfaçatez de meter propagandas dizendo que "o agro é pop" nos intervalos.
Mas nesse caso não é burrice. É capitalismo.
Ou seja, maldade. Purinha. Não tem Navalha de Hanlon que salve.
Aqui, o de praxe: edições anteriores, blog, wattpad, o conto lá, etc.