[028] Oscaritos - 3 (e talvez sejam mais de 4 e meio, Anabela!)
TL;DR: Falo do meu atraso, mas não me desculpo.
Falo sobre Duna (nota 3), falo sobre Não Olhe Para Cima (nota 3), falo sobre Coda (nota 4.5).
Falo sobre as injustiças que a Academia deve cometer e algumas que já cometeu.
Falo sobre os filmes que ainda tenho que ver até domingo.
Resmungo o tempo todo (nada de novo no front).
Me atrasei com a lista dos indicados ao Oscar? É claro que sim!
Porém, desde a última edição, assisti três filmes dentre os que estão concorrendo. E é deles que quero falar aqui.
Falemos, pois.
DUNA:
Vamos ignorar o fato de que o pôster é uma pessoa confrontando um remiskleyves gigante.
Também não vou entrar no mérito de ser um filme consistente, sendo que por "consistente" quero dizer que o roteiro segue o padrão que se esperaria de um roteiro de filme de hominho.
Porque sim, é disso que se trata: filme de hominho.
O puro suco da Jornada do Herói.
Muito bonito, visualmente, mas conservador em diversos sentidos:
1) Moralidade padrão ("bom porque é bom e pronto" vs "mau porque é mau e pronto"), o único personagem tridimensional que aparece é uma espécie de médico e tem pouquíssimo tempo de tela.
2) Eivado de preconceitos e reafirmações do status quo do tipo que Hollywood gosta tanto: o messias branco; os "civilizados" e seus modos europeus contra os "bárbaros", por sua vez com modos asiáticos; o colonizador que é "mau" e o colonizador que é "bom" (como se existisse algo que se possa chamar de bom colonizador, como se fosse possível alguém invadir a sua casa para explorar os teus recursos e ser legal).
Esse último aspecto foi o que mais me irritou, aliás. Somos um país latino-americano. Eu sou um homem latino-americano! Você não me traga uma história na qual o protagonista é o explorador de uma colônia esperando que eu fique do lado dele. Não importa o quanto ele seja "gentil" com os "nativos".
Um invasor é um invasor. Quando, em Tropa de Elite, Capitão Nascimento diz a um morador da favela "Bom dia, filho, queria lhe pedir permissão pra revistar sua casa!", enquanto os outros truculentos do BOPE apontam armas para a cabeça do rapaz negro e pobre, todos nós sabemos que esse pedido, apesar do verniz, não é gentil, nem educado. Não é sequer um pedido, mas uma ordem e um deboche.
Pois bem: quando você assistir ou ler qualquer obra que retrate "colonizadores gentis" de uma terra que tem moradores nativos, lembre-se dessa cena.
Enfim, trata-se de um filme tal e qual o protagonista, Timothée Chalamet: bonito, porém insosso. Aliás, nunca vi a versão do David Lynch, mas tenho certeza que ele fez escolhas mais interessantes do que Dennis Villeneuve, por mais descaracterizado que seu filme tenha sido em comparação aos livros. Pretendo conferir em breve.
Com generosidade, dou nota três. E apenas porque o elenco é fantástico e Oscar Isaac é lindo.
(Separado dos filmes de gente grande e colocado apenas com filmes de hominho, seria um nota 4. Então se teu barato é filme de hominho, esse é um bom filme de hominho. Vai sem medo!)
Depois, superando toda a minha resistência, eu assisti...
NÃO OLHEM PARA CIMA:
"Mas que resistência, Pedrúnculo?", você me pergunta.
Pois saiba, jovem: crio automática aversão a todos esses filmes que a esquerda, essa entidade amorfa, imprecisa, sem rosto e sem nome, de repente elege como seus porta-vozes ou como um demonstrativo de seus supremos valores, méritos e crenças.
Em geral são umas merdas. Vide Bacurau.
(Não, Adriana - não você, irmã, é outra Adriana -, você não está tendo um déjà vu, eu te disse exatamente isso por e-mail outro dia).
Ademais, é aquele negócio: se você presta atenção em política e não tem um certo desprezo pela esquerda, é porque não está envolvido com política o suficiente. E poucas coisas são mais capazes de fazer uma pessoa odiar a esquerda do que ser de esquerda.
Meu caso.
Então foi um exercício de motivação me forçar a assistir esse filme. Me arrependi amargamente de ter assistido? Não.
Se não tivesse assistido, teria perdido alguma coisa? Também não.
O filme não passa de medíocre. Não é horrível, mas não é nada que se sobressaia. É, aliás, profundamente covarde. Quer falar a respeito do buraco em que nos enfiamos em termos de estupidez social, hábitos de consumo, alienação em massa, mas não discute a manipulação pela mídia em si (joga tudo no colo dos republicanos, Trumpistas e outras figuras estapafúrdias do debate político). Não aponta o dedo para a própria indústria cinematográfica e para as grande corporações que puxam as cordinhas de todo esse sistema. Toda a crítica é convenientemente desenvolvida de modo a não melindrar potenciais aliados. É um filme com a intenção de ser sátira, mas que na verdade é panfleto. Quer ser mordaz e crítico, quando é apenas autoindulgente e se coloca num patamar de superioridade moral (totalmente inverídica).
Mais um nota três e eu já estava achando que esse seria um daqueles anos em que tudo no Oscar é completamente esquecível e raso, porém daí assisti...
CODA:
Este filme consegue ser o oposto de todos os outros dos quais falei aqui nessa última semana: não vem com um verniz de profundidade, de grande mensagem, não se arvora arauto de qualquer coisa. Não se propõe a ser uma crítica social foda, não se mete a manifestação dos oprimidos nem tenta se passar por representação fidedigna do momento histórico em que vivemos. E fala muito mais, com muito mais força, capacidade, responsabilidade e sensibilidade do que todos os outros filmes juntos e misturados e besuntados de manteiga.
É o tipo de história em camadas: é só um filme sobre uma menina que, filha de pai e mãe surdos (e irmã caçula de um irmão também surdo), descobre que é uma baita cantora? Sim.
Mas é mais do que isso.
É o clássico filme do underdog, do diamante bruto, da pessoa que descobre seu verdadeiro potencial e luta para fazer disso alguma coisa? Sim.
Mas é mais do que isso.
Tem um tanto de drama adolescente e as típicas situações escolares de assédio moral e falta de pertencimento social? Sim.
Mas também é mais do que isso.
Tem uma crítica pesada ao capitalismo, mas sem se transformar em panfleto político.
Fala muito sobre o preconceito pelo qual passam e as agruras que vivem os deficientes numa sociedade que não se organiza o mínimo para ser inclusiva. E também é mais do que isso.
É tudo isso junto, sem dar excessivo foco em nada disso, e assim todo o conjunto funciona. É um filme leve e divertido com momentos que são pesados e bonitos. Não é uma crítica raivosa ou um relato meloso.
Me fez chorar largado! Mas aparentemente não fui o único:
E uma curiosidade: todos os personagens surdos são interpretados por atores surdos. Um foi indicado pra concorrer à estatueta.
Finalmente, FINALMENTE vi um filme que eu indicaria a alguém. Acho que vai ganhar muita coisa? Não. Acho que vão premiar ostensivamente The Power of The Dog, só porque é dirigido por uma mulher (posso estar errado, e espero que esteja) e a galera anda doida pra se redimir por sempre priorizar homens brancos.
De todo modo, caso injustiças ocorram, não estão fora do padrão. A Academia é campeã nessas coisas. Tá lá o Forrest Gump ganhando de Shawshank Redemption e Pulp Fiction em 1995, tá lá o Capitão Fantástico que nem foi indicado ao Oscar de melhor filme em 2017, e tá lá aquela porra de Conduzindo Miss Daisy levando o Oscar no lugar de Campo dos Sonhos em 1989.
Não dá pra levar essa galera a sério. Porra, ano passado colocaram Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield, os dois atores principais de Judas And The Black Messiah (FILMAÇO, aliás, e está na HBO e na Locadora Sueca™. Veja!), concorrendo como...
...melhor ator coadjuvante.
Veja bem: os dois estão no pôster do filme. Se qualquer um fosse considerado para melhor ator e o outro para melhor ator coadjuvante faria sentido. Qualquer que fosse a ordem. Porque ambos têm mais ou menos o mesmo tempo de tela e ambos são fundamentais para a história.
Mas aí os nove mil e xablau esquizofrênicos da academia votam em ambos pra concorrer a melhor ator coadjuvante.
Vai entender o tipo de merda que passa na cabeça dessa galera...
Enfim.
Agora tenho até domingo pra assistir Belfast, Drive My Car, King Richard, Licorice Pizza, Nightmare Alley e West Side Story.
Belfast e Drive My Car estão no topo da minha lista de prioridades.
Ninguém é novo aqui, mas vou deixar, mais uma vez, o link para as edições anteriores.
E já que estamos assim, fica o do blog também.
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E pro último (cronologicamente apenas, acho) conto que escrevi, também.